Puta e merda
Roçar um no outro durante muito tempo é, culturalmente falando, algo
que me remete à intimidade e, consequentemente, me via no dever de
conhecer melhor aquela pessoa — não sou de sair me roçando por aí sem
saber direito em quem.
Acontece que eu já não tinha mais para onde levar a conversa. O cara
não colaborava, ele não era nem um pouco bom de papo.
Como ainda
tínhamos um longo caminho pela frente até a estação final, comecei a
apelar — inconscientemente, é claro. Não costumo sair apelando por aí
sem saber direito com quem.
— Hum?
— É. Algo assim.
— Não sou muito bom com as palavras.
— Entendi. Quais são suas palavras preferidas?
— Hum?
— As minhas são “puta” e “merda”, mas só as duas juntas, assim: “puta merda”.
— Ah, sim.
— É a melhor dupla de palavras da língua portuguesa, porque uma ameniza o sentido da outra. Você consegue perceber?
O desconhecido bufou.
Eu continuei.
— Experimente chegar para uma mulher e falar só “puta” para ver a
reação. Ela com certeza vai ficar ofendida, xingar sua mãe, todas essas
coisas.
— É verdade.
— E se você mostrar o seu trabalho a alguém e a pessoa falar só “merda”, você vai ficar ofendido também, não é mesmo?
— Com certeza.
Ele soltou um sorrisinho e eu me empolguei para continuar.
E continuei.
— Nunca tinha parado para pensar nisso, mas até que você tem razão.
Ele havia falado mais de duas palavras seguidas. Eu sabia que tinha
ganhado o cara ali e que seríamos amigos até o final. Da linha, mas,
ainda assim, um final.
Continuei.
— Mas há também o lado obscuro dessa dupla de palavras. É uma das
piores expressões de descontentamento que existem. Se alguém fala “puta
merda” dando uma leve balançada na cabeça, você já sente no fundo do
coração: essa pessoa ficou muito chateada ou inconformada com o que você
fez, nunca mais vai perdoá-lo.
— Nunca mais?
Ele franziu a testa.
— Nunca mais. Foi o que a Melissa, minha irmã, fez na última vez em que nos falamos. E foi assim.
— Melissa. Gosto desse nome.
— Não goste, pelo menos perto de mim.
Ele sorriu novamente. Continuou.
— Melissa foi uma garota de quem eu gostei muito na adolescência. Queríamos nos casar.
— E o que aconteceu com ela?
— Virou puta.
— Merda!!!!!!
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